Durante a década de 90, acontecia, rigorosamente aos sábados, o tradicional e animado racha no Icaraí. Amigos se reuniam para aproveitar a democrática e calorosa acolhida e o impecável campo soçaite, perfeito para a prática do futebol.
Alguns vinham em busca das disputas futebolísticas, outros, pelo prazer de reencontrar velhos amigos, já pensando na descontraída etapa noturna.
Após o racha e um revigorante banho de cascata, todos se reuniam no amplo quiosque para comentar os resultados dos jogos, contar piadas, pilhérias, cantar, etc.
A cerveja e a música se confundiam, tornando o ambiente por demais alegre e muito descontraído.
Numa linda noite enluarada, já tarde, três ou quatro casais, incansáveis da música e da cerveja, decidiram dormir no sítio. Entre eles, o solteirão Zé Paraíba: corpulento, destemido e confiante, afirmou, de pronto, que passaria a noite no sítio, mas dormiria no alpendre, local bem mais arejado.
Após essa sua decisão, resolvemos testá-lo. Rapidamente solicitamos a um dos amigos dirigir-se discretamente até o final do sítio, levando, consigo, um lençol branco. Quando todos estivessem silenciosos, e as luzes apagadas, ele começaria a sua missão: mover-se lentamente de uma árvore para outra, aproximando-se, gradativamente, da casa como uma alma penada.
Tudo perfeitamente combinado.
Luzes apagadas, Adolfo e seu comparsa Lúcio, se dirigiram à janela onde o nosso valentão repousava tranquilo.
Sussurrando, mas o suficiente para que o Zé ouvisse, encenaram um diálogo:
– Lúcio, estou vendo uma pessoa de branco lá no final do sítio…
– Onde?
– Próximo à piscina.
– É verdade, estou vendo.
Zé Paraíba, ouvindo o nosso diálogo, levantou-se e em voz alta e destemida, bradou: Cadê o “homi”?
Zé, está próximo à piscina.
Nesse momento, nosso amigo, caracterizado como “alma”, todo de branco, avançava lentamente em direção à casa.
Após visualizar a suposta “alma”, o valentão Zé Paraíba deu um pulo, correu até a porta que se encontrava trancada e ficou aos gritos:
– Adolfo, pelo amor de Deus abre essa porta! Parece ser uma alma… e tá vindo pra cá! traz o revólver!
Lá dentro, nos segurávamos para não rir. A “alma” já estava bem próxima quando, não aguentando mais, desatou numa gargalhada, e aí ninguém mais se conteve.
Nesse momento, Zé Paraíba voltou a ser valentão: pegou uma cadeira e saiu correndo atrás da “alma” pelo sítio, entre risos e gritos.
Brincadeira encerrada e risadas gastas, fechamos a porta e fomos nos recolher. Ao apagar as luzes, ouvimos do lado de fora, um suave toc toc seguido de uma voz mansa, quase de cordeiro:
– Adolfo, tem um lugarzinho aí dentro pra mim?
Entra valentão.
(Época que deixou marcas indeléveis de saudade do nosso sítio, no Icaraí.)
Abílio, 13 jun 2024.
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